Sangue por Todos os Lados


Sangue... sangue por todos os lados.

Sangue nas paredes, na cortina, na capa do sofá. Capa que me custou exatos 72 reais na feira de móveis usados. O tom vermelho contrastou de uma forma intrigante com o azul da capa do sofá. Capa esta que me custou 72... ou seriam 73 reais?

Droga. Odeio me esquecer das coisas. Onde eu estava mesmo? Ah sim... Sangue... sangue por todos os lados.

Vejo muito sangue mas não vejo nenhum corpo. Não vejo um corte ou um ferimento. Não vejo vítimas, assassinos, ladrões nem nada parecido. Se houvesse um ladrão ele teria levado meu abajur. Lindo abajur com as faces formando uma espécie de guarda-chuvas de cristal, com pêndulos cristalinos na ponta. Quanto eu paguei por ele mesmo? Droga. Odeio me esquecer das coisas.

Nossa, olha o carpete. Carpete lindo de manta com três cores diferentes formando uma espiral no centro. Cheio de sangue, droga, olha quanto sangue. De onde será que vem?

Peraí. O que é aquilo atrás do sofá azul cheio de manchas de sangue? Que desperdício de dinheiro... sangue mancha sabia?

Está reluzindo, brilhando, ofuscando minha visão...

É uma faca. Rá! Acho que finalmente achei a arma do crime. Será que houve algum crime?

Ei! Um corpo caído. Nossa esse rosto parece familiar. Onde será que eu vi ele antes?

Deixa eu tentar me lembrar... Abajur cristalino, 72 ou 73 reais, faca... JÁ SEI. Esse é o meu rosto.

Sou eu que estou deitado com o abdômen aberto e as tripas no chão... Como eu não me lembrei disso antes?!

Droga. Odeio esquecer das coisas.

A Porta dos Sonhos


- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHH - gritou Pedro ao acordar de seu pesadelo.
Os braços tremiam e o suor escorria de sua face, gotejando no lençol branco e já umedecido.

Assim que retomou sua consciência e percebeu que já estava novamente no mundo físico, Pedro fechou os olhos e recostou sua cabeça no travesseiro para tentar se lembrar em detalhes do que havia acontecido, pois assim que levantasse, a bolha que cobre as lembranças iria se romper e com ela tudo o que havia de mais belo em seu pesadelo iria se desfazer. E isso seria trágico para um devaneio muito bem tramado por sua mente que, com certeza, em algumas horas iria se tornar um conto nas páginas de seu blog na internet.

Pedro sempre achou estranho na maneira como os seus sonhos insistiam em serem tão cheios de detalhes. Tanto que não era nem um pouco difícil transcrevê-los no seu computador.

Porém as coisas estavam mudando aos poucos a cada dia. Essas imagens que formavam suas histórias apenas em sonhos, começavam a se apresentar defronte aos olhos quando Pedro estava desperto também. Quando se concentrava, seja para resolver algum problema no trabalho ou em algum momento de meditação rápida, sempre conseguia imaginar uma porta ao seu lado esquerdo... "a porta dos sonhos", como gostava de pensar.

A fechadura que essa porta continha era pequena o suficiente pra não deixar Pedro olhar o que havia do outro lado, além de ser uma pequena brecha que reduzia sua visão à apenas um pequeno detalhe da cena.

Caso esse detalhe chamasse sua atenção, Pedro sentaria em sua cadeira, abriria seu Bloco de Notas e começaria a descrever o que viu. Nesse momento, seu mundo seria desligado e apenas a porta estaria à sua frente.

Quanto mais palavras apareciam na tela, mais Pedro se aproximava da porta e quanto mais Pedro se aproximava da porta, mais partes da cena poderiam ser vistas. Assim, vez por outra sua mente estava sendo entregue à porta dos sonhos de maneira desperta. O que ele não sabia, era que o mundo estava prestes a passar por uma mudança...

E essa mudança iria custar a vida de milhões de pessoas caso Pedro não achasse a chave certa que abre a sua porta dos sonhos...

Devaneio dispersado


- CRAAAW, CRAAW - fez o corvo voando pela janela, acordando-o de suas divagações.
Ele odiava quando seus pensamentos eram interrompidos de forma brusca, mas ultimamente isto se tornara uma rotina.
Não tinha ideia do motivo pelo qual os pássaros estavam tão agitados pelas redondezas, mas não perdia muito do seu precioso tempo tentando descobrir.

Quando voltou a focar os pensamentos nos códigos que estava digitando para tentar fazer um software qualquer voltar à funcionar, se deu conta de que sua bexiga estava a ponto de explodir.

Afastou sua cadeira alguns centímetros, bloqueou o computador para ter certeza de que ninguém iria futricar nas suas coisas - não que existam coisas muito secretas aqui nessa máquina - pensara, mas odiava imaginar seus colegas mexendo em um ícone que fosse da área de trabalho.

Abriu a porta e caminhou até o banheiro, que ficava na porta ao lado. Ao abrir o banheiro, sentiu um cheiro nojento vindo de dentro. - Malditos cagões - pensou.

Ao tentar abrir a porta de um dos dois box, constatou que a mesma estava fechada. - Custa perderem a mania de trancar a porta antes de sair do banheiro? - Esses pequenos incômodos eram o que transformavam um dia ótimo de trabalho em um dia repleto de rancor.

Após fazer suas necessidades notou que, ao se dirigir à porta do banheiro pisou em uma poça. Qual não foi sua surpresa quando percebeu o vermelho vivo que aquele líquido reluzia.

Assustado, saiu correndo tropeçando nos próprios pés quase batendo de cabeça na parede em frente. Por sorte um funcionário da manutenção do prédio estava passando e, ao perceber o que tinha causado aquele susto, rapidamente entrou no banheiro para destrancar a porta, pois a poça vinha de lá.

Ao abrir a porta, nenhum dos dois consegui segurar o almoço dentro do próprio estômago.

Sentado ao vaso jazia um corpo sem cabeça. Mesma cabeça essa que estava faltando no alto do corpo, encontrava-se embaixo da tampa, teimando em trancar o fluxo da água e transbordar um rio de sangue e água encanada...